quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Crônica: O Glamour de Uma Profissão Démodé

Existem certas coisas que  passam desapercebidas no dia a dia, e quando nos damos conta delas ficamos surpresos, uma surpresa estranha, do tipo daquela que perguntamos: Como eu nunca havia percebido isso?
Trabalho num prédio antigo localizado no Centro do Rio de Janeiro. Um prédio de aspecto bonito, amplo, sólido, daqueles que não mais se constroem. Ele é tombado pelo Patrimônio Histórico e para minha felicidade, sua fachada, que acho muito inusitada, não pode sofrer alteração arquitetônica.
Há tempos que venho a cada dia admirando mais a arquitetura daquela região. Praticamente todos os edifícios da rua são tombados e isso faz com que quanto mais o tempo passa, mais eu me sinto feliz por diariamente transitar por ali. Não posso negar meu lado retrô!
Mas o que me dei conta somente agora, é que assim como o prédio, os elevadores também são nos moldes antigos, um deles ainda possui porta pantográfica e mais do que isso, são monitorados por ascensoristas.
De repente me vi fazendo uma pequena reflexão: Quem conhece alguém hoje em dia cuja profissão é ascensorista de elevador? Me permito dizer que quase ninguém.
Não é difícil imaginar que os ascensoristas que trabalham lá no prédio, parecem que foram considerados também patrimônio histórico, são todos sexagenários.
Gosto de ver como andam impecáveis em seus uniformes, como cumprimentam por nome cada um que entra, como sabem os andares e os números das salas com seus respectivos serviços.
É interessante notar a deferência que fazem a função. Eles apertam aqueles botões numerados como se estivessem preparando um avião para decolar. Atuam com seriedade e respeito aos "seus passageiros" e são rígidos quando se trata de colocar ordem no recinto. Por exemplo, mochila tem que ser nas mãos, preferência irrestrita para idosos e deficientes, entrar comendo ou bebendo nem pensar. Curiosamente não existem placas nem avisos, pois, esses nobres serviçais se encarregam de fazer valer o respeito às normas.
Resolvi falar sobre os ascensoristas do prédio em que trabalho pelo fato de perceber que essa profissão certamente não mais existirá daqui a apenas alguns anos. Hoje os elevadores modernos não tem sequer botões, quanto mais pessoas no comando. Normalmente nos prédios contemporâneos você tecla o andar que quer ir num totem, este, quase sempre, localizado num hall distante, e ali na tela já aparece identificado o "carro" que se deve tomar. Quando entramos nele, basta não fazermos rigorosamente nada (até porque não há o que fazer) e chegaremos no nosso destino, sem dizermos uma só palavra.
Fico fascinado com essa modernidade! Certamente o tempo de viagem foi reduzido pelo menos à metade. O conforto é fantástico, pois não há super lotação, e o ar condicionado funciona perfeitamente. Normalmente eles são espelhados, o que permite, principalmente as mulheres, os últimos retoques antes da chegada ao andar desejado. Em suma, são tudo de bom! Apenas com um porém, onde está o calor humano? Cadê o meu amigo ascensorista que me espera travando a porta com a mão quando vê pelo espelho que estou correndo no corredor para alcançá-lo? Quem vai me atualizar sobre a partida de futebol ocorrida na noite anterior? Me dizer se o resultado foi justo, se o técnico errou na substituição, se o goleiro falhou e se o juiz era ladrão. Quem, a não ser ele, sabe desde o que deu no jogo do bicho até o rebaixamento pela Agência Mudes da Nota de Classificação de Risco da Bulgária? Quem vai me informar que os funcionários chegarão atrasados porque está havendo uma manifestação na principal via da cidade emperrando o trânsito? Enfim, quem vai me atualizar ás 08:00 em tempo real.
Por isso, apesar de ser defensor e entusiasta da urbanidade, da modernidade e da tecnologia não tenho como desconhecer o glamour de uma profissão em extinção, e exaltar aqueles que defendem o pão de cada dia com humor, respeito, dignidade e calor humano; Os meus amigos ascensoristas.

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