sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Crônica: O Homem da Farda

Não vai muito longe o tempo em que a farda representava respeito, orgulho e correção. Lembro-me que na rua onde eu morava havia um  policial militar que era tido por todos como o símbolo maior da moralidade. Eu e a molecada jogávamos futebol em um campinho de terra que ficava em frente a casa dele, e foi o próprio que pediu autorização ao dono do terreno para nos deixar jogar ali, uma vez que brincávamos na rua tendo que conduzir a bola e driblar os carros.
Por esse feito ele ganhou todo nosso carinho e, principalmente, a simpatia dos nossos pais.
Geraldino (para nós Seu Geraldino) era do tipo que tinha boca mais não falava, era um senhor escuro, esbelto e elegante, em seus dias de folga colocava uma cadeira na calçada e ficava nos observando. Entendia de futebol, pois já tinha jogado e seu filho mais velho, Sirlei, conhecido como "pretinho" atuou profissionalmente em vários clubes de pequena expressão no Rio de Janeiro. Eu mesmo, acreditem, fui levado por ele para treinar no infanto-juvenil do Flamengo, passei uns três meses lá, mas os treinamentos eram em Caxias e como eu estudava durante o dia, comecei a perder muita aula e minha mãe me proibiu de ir aos treinos. Ainda bem, salve dona Ana, pois o mundo do futebol se livrou de ter mais um jogador medíocre.
Mas o que quero falar de verdade é como as coisas mudaram. Seu Geraldino chegava em casa fardado! Me lembro bem que quando ele ia lavar o carro sempre estava com a camiseta branca da corporação. Eu achava aquilo tão bonito que, aliado ao incentivo do meu pai, quase me tornei militar, pois aos dezesseis anos comecei um curso na EPCAR (Escola Preparatória de Cadetes da Aeronáutica), queria ser piloto, mas abandonei logo no primeiro ano, não aguentei a pressão.
Bem, o fato do meu não enquadramento no militarismo não abalou a imagem que eu carregava do Seu Geraldino, nunca soube de nada, mesmo depois de sua morte, que afetasse seu prestígio. Lembro-me que ele tinha um VW Brasília que tratava com muito zelo, enguiçava algumas vezes, e não raramente parávamos o jogo para  ajuda-lo a empurrar.
Infelizmente agora os tempos são outros. Meus filhos nunca tiveram nenhuma admiração pela carreira militar, e para piorar não confiam na categoria. Não posso discordar deles, por mais romântico que eu tente ser, qualquer defesa fica difícil. O policial de hoje é muito mais temido do que respeitado. Uma conjuntura de mal feitos que vai desde a má índole daquele que se inicia na profissão, passando por corrupção, salário incompatível, conivência com o crime, falta de moral e de autoridade do poder público para comandar e outras coisas mais corroboram o sentimento de insatisfação de grande parte da população.
É claro que nem todos os frutos são ruins, não podemos julgar um por todos e nem todos por um, mas para nossa triste constatação, a predominância, pelo que foi dito, é dos maus.
Não podemos deixar de mencionar que nós, enquanto sociedade, temos ampla parcela de responsabilidade nessa realidade. Quando legislamos em causa própria acabamos por nos beneficiar pelo jeitinho. Entendemos que a lei deve ser exercida sempre para os outros e não para nós mesmos. Não é raro tomarmos conhecimento de fatos que não tiveram a devida punição porque os implicados eram figuras notáveis, ou ofereceram vantagens ou simplesmente se utilizaram de uma "carteirada".
Enfim, a transformação da sociedade inevitavelmente provocou a transformação das instituições. É uma pena que tenha sido para pior, mas o que temos hoje é o reflexo do coletivo que somos. Sem querer ser trágico, já sendo, não consigo perceber a curto e médio prazo como isso pode mudar, pois com cada vez mais necessidade de "nos darmos bem" não nos importamos em saber que estamos alimentando um monstro que não fará nenhuma cerimônia se tiver a oportunidade de nos atacar.
Por isso, feliz de quem conheceu Seu Geraldino, um homem de bem, que dentre muitas qualidades, honrava sua farda.

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